sexta-feira, 22 de março de 2013

ESTOU VELHA


Os 5 sentidos: tato


O tato é um sentido que geralmente passa despercebido. Pensamos: Graças a Deus não sou cego ou coitada dessa menina é surda!

E brindamos com prazer o sentido do olfato comprando perfumes e flores  para embelezar nossas vidas. Inventamos receitas culinárias ou comemoramos qualquer data com belos jantares que deleitam o nosso paladar.

E o tato fica lá, escondidinho. 
É normal sermos acariciados, tocados, não precisamos pedir para nossos amigos, maridos, esposas e filhos para nos abraçar para nos tocar, tudo é natural, um aperto de mão, um afago. É certo que quando nos deixamos queimar com uma panela ou depilamos a perna, relembramos, de uma maneira nada agradável, que sentimos a nossa pele. Mas se tudo transcorrer normalmente, o tato pode ser considerado o “irmão menos ilustre” dos 5 sentidos.

Até percebemos  que não somos mais tocados. Que os beijinhos ficam só na hora da despedida, que nossos parceiros já partiram, nossos netos já não precisam de nosso colo Será que é nessa hora que envelhecemos? Quando o toque fica cada vez mais distante?

Estou velha


Já não ouço como antes,
Minha visão está muito cansada
Não posso mais sentir o gosto das comidas proibidas
E o cheiro de limpeza, faz com que fique cada vez mais distante o aroma de um café com bolinhos de chuva ou a água de cheiro que colocava após o banho.
E quando tudo parece ter pouco sentido, descubro como era gostoso tocar e ser tocado.

Agora passamos a ser tocados por auxiliares de enfermagem, sempre com pressa e preocupados com a nossa higiene. Os familiares quando aparecem aos domingos nos abraçam com tanta rapidez que não dá tempo de sentir o calor dos seus corpos. É um abraço na chegada e outro na saída. Dois rápidos contatos físicos. Como é forte o desejo de sentir o outro, mas como é difícil quando envelhecemos.
Acho que por isso Deus criou os animais. Onde moro existe alguns cães que  vêem me visitar e não se importam em ser tocados, ao contrário, eles vêm, se aconchegam no meu colo e pedem carinho. Acaricio seus pelos delicadamente e vou sentindo um calor no meu coração, uma lembrança de que eu existo e que estou sendo importante para alguém. Esses peludinhos  ficam realmente felizes em serem tocados pelas minhas mãos enrugadas e frias. Eu sinto que eles gostam,  o meu coração vai se aquecendo e o calor passa por todo o meu corpo.

Às vezes recebo uma lambida na mão de algum cachorrinho mais alegrinho. Sua língua tão quentinha está retribuindo o meu carinho. Tento me deliciar ao máximo antes que alguém rapidamente limpe minha mão com lenços umedecido ( frio e perfumado demais para o meu gosto). Acho que são os beijos mais sinceros que recebo. Não sei porque limpam a baba do cachorro se eu mesmo agora dei para babar...A velhice tem disso, a gente baba. Mas quem liga para isso, somente os que não babam. O cãozinho que está no meu colo não se importa, aliás ele também baba, imagina se ele está preocupado com isso. O que ele quer? São os MEUS afagos.

Os cachorros grandes caem no chão com a barriga para cima e eu fico passando os meus pés na barriga deles. Eu sinto, uns tem pelo longo macio como cabelo de mulher rica, outros tem a barriga lisinha. sabia que eu sei identificar a cachorra que já teve cria? Com os meus pés eu vou acariciando sua barriga até chegar nas suas tetas. Tetas grandes é sinal de boa parideira,  tetas pequenas são cachorras que nunca cruzaram. Tem cachorro que quando eu passo a mão dá para sentir suas costelas. Eu penso em falar para a dona: vai no açougue e compre um pouco de bofe, mistura com arroz e fubá. Eles ficam fortes como um touro. Mas não adianta falar, hoje em dia é tudo na base da ração.

Para ser sincera, eu sei que quem vem me visitar gosta de mim, são boa gente, mas também sei que existe um certo esforço para parecerem naturais. Já os cães que vêm me visitar são espontâneos como todo cão.

Hoje veio me ver a Mel. O rabinho dela é pequenino e fica balançando de alegria quando me vê. Ela é daquele tipo peludinha. Um pelo lisinho , parece cabelo de boneca. Quando toco nela lembro dos banhos que dava na Pituca. A Pituca era assim, ela sabia quando eu estava para chegar em casa e já ia para o portão me esperar. Eu coço a orelha da Mel e ela vira a cabecinha adorando. Aprendi com a Pituca que todo o cachorro gosta que cocem sua orelha. A Pituca só não gostava de banho. Ela tinha uma toalha só dela e quando eu pegava a toalha e o sabão de côco ela fugia para dentro do caixote dela. Será que a Mel tem medo de banho? Hoje ela me deu três lambidas, mas realmente não sei porquê precisam limpar a minha mão quando ela me lambe, a lingüinha dela é tão pequena e limpinha. Será que quando eu era jovem também me preocupava com coisas tão desinteressantes? Bem eles são jovens, eles é quem mandam.

Me despeço da Mel com um abraço e enquanto vejo ela partir para o colo de outra pessoa percebo que minha mão está quente e relaxada. Fico pensando até quando vai durar essa sensação gostosa que estou sentindo por dentro e por fora? Fechei os olhos, adormeci e sonhei que a Pituca estava querendo dormir comigo na cama. Ela estava pedindo com o olhar e eu, que nunca deixei, peguei-a no colo e a aconcheguei sobre meus braços até dormirmos as duas juntas. Quando acordei, senti muitas saudades da minha Pituca que me acompanhou durante 15 anos da minha vida, mas não estou triste , pois sei que nos próximos dias vou ver o Pequeno Ninja, o Thor, a Zizi, o Mário (rá,rá,rá, o Mário é tão lindão que tem até nome de gente...) o Nozinho, a Mila, a Brunela , o Maguila, a Kailana, o Capuccino, o Dick ... 

2 comentários:

  1. Que relato emocionante!! Lindo demais Katia..

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  2. Oi Katia, este trabalho com cães de terapia é das coisas mais eficientes e emocionantes que já vi.
    - Sinto saudade do período em que fui voluntária
    (Cão Amigo & Cia) tendo como "ferramenta de trabalho" o meu pequeno DOG.
    - Moro sozinha (com "personal life"...), sou cadeirante e tenho 63 anos... digo com toda a certeza que se não fossem os cachorros que tenho aqui (4), eu não aguentaria...

    Abração
    Jan

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